terça-feira, novembro 21

a primeira tormenta.


some note for before you go.

A mesa está bagunçada com sua vontade ávida de achar as chaves e sair daqui logo. Seus sapatos, antes jogados aos pés do sofá, já habitam outros pares. Há calmaria nas suas atitudes por mais rápidas e desesperadas que elas possam parecer.

Você vai embora. De novo. E eu não vou te pedir pra ficar.

O meu crime, pra você, sempre foi não te pedir pra ficar. É minha filosofia, mas você é incansável quanto a me julgar por ela. Manter livre? Deixar andar sozinho? Achar que a pessoa "sente" - as aspas formadas com seus dedos, aquele tom de desdém pra falar sobre sentir - o que você não fala? Não, não mesmo. Você falava que eu tinha que te manter perto, mas manter perto à sua maneira: delirar de ciúmes, te cercar, te deixar com marcas de posse e ser marcada com traços seus.

Mas eu fui. Eu fui, por mais que você diga que não, marcada por traços seus, detalhes seus: os filmes analisados devido a seus diretores; os cigarros que não podem ser mentolados; as blusas listradas que precisam de combinações lisas; os cabelos soltos; risadas de terceiros minuciosamente observadas; três da manhã; comida chinesa; cervejas pegas pelo menor preço; conforto em te tocar em público; conforto em dançar, com você, em público (e a intimidade de fazê-lo em privado); preferência por jogos de carta; um amor embevecido por livros longos; carência por neologismos; o meu perfume (meu perfume, olha onde você se mete) que me lembra você de tanto ouvir que era o seu cheiro favorito.

Não posso te pedir pra ficar. Como poderia? O seu amor - idealizado, louco, cheio de fantasias cinematográficas com serenatas na praça da cidade à meia noite em ponto - não acompanha o meu (o que me parece ótimo, mas te soa como insuficiente). A sua vontade de estabilidade não combina com minha carência de mudança; a minha afeição por detalhes e minuciosidades não acompanha a sua preferência por arroubos em público; a sua necessidade de presença não acompanha a minha carência por espaço. E tá tudo bem; pra mim, sempre esteve tudo bem. Mas o que vai te fazer ir embora é a sua inconformidade sobre conseguir me mudar. Não as mudanças que te falei, não as mudanças que você notou, mas as que queria.

Você olha pra mim, a mão na maçaneta da porta.

Não vou pedir. É a minha filosofia, mesmo que você seja minha e não volte.

A porta abre.

Toda minha esperança sai antes dela se fechar de novo.
© terna tormenta
Maira Gall