quinta-feira, dezembro 28

a sexta tormenta.

Meu bem,

espero que você, ao ler esta carta novamente, esteja melhor. Há algumas coisas que precisam ser pautadas e que você precisa ter ciência; não apenas ciência, elas precisam estar enraizadas em você. Sei que já sabe do que falarei, ser boba nunca foi uma característica sua, mas precisamos frisar e te fazer parar de apenas ter noção das coisas, mas entendê-las para mudá-las.

Tem sido difícil te acompanhar. Os bastidores da sua vida não é lá um lugar muito agradável de estar, tampouco compreensível. Acho que nem mesmo no palco da sua vida você entende o que está fazendo e os motivos para tal, mas tudo bem. É necessário que você se atente, apenas isso: fique atenta para a forma como você trata as pessoas.

Não basta ser um amor e empática o tempo todo quando, sem mais nem menos, você inventa de magoá-las para afastá-las de você (e sabe-se lá que motivo coerente o seu cérebro te dá pra isso).

Não adianta se arrepender do que fez e querer voltar depois (não é todo mundo que vai te querer de volta; não é todo mundo que vai acreditar que não haverá uma segunda vez - ou terceira ou quarta ou quinta). E eles não estão errados. Você se aceitaria? Você aceitaria a pessoa que você é de volta depois de saber o quão profundo você pode magoar?

Não adianta ter noção de que você é tóxica nesse ponto e não tentar muita coisa pra mudar. Ok, eu sei, você tenta. Eu sei que as pessoas que você machuca estão diminuindo consideravelmente com o passar dos anos, mas você notou o padrão, certo? São menos pessoas, mas são as que você mais ama. Cuidado! Não precisa desse muro todo, desse zelo todo consigo. Se expõe. Não é todo mundo que vai te magoar e você não precisa magoar todo mundo pra colocá-los numa fase de teste.

Não vale se torturar porque você pisa na bola. Não adianta, para. Cresce, aja igual uma adulta e aguente as consequências. Aguente ser deixada porque você pisou na bola; aguente as pessoas te perdoarem mas não te quererem de volta na vida delas; aguente serem ríspidas e rudes com você porque você as magoou. Aguente. Sua necessidade de magoar as pessoas que você ama cria pessoas extremamente desconfiadas com você e suas palavras. E as que te entendem - aquelas poucas que você magoou e que voltaram, aquelas poucas que estão nos bastidores comigo - estão cansadas de ouvir a mesma história sempre: "eu não quis magoar, só não soube lidar". Tá bom! Já entendemos. E agora, que você vai fazer?

Eu espero que da próxima vez que você ler essa carta você esteja se permitindo amar sem se afastar, sem correr, sem tentar ignorar problemas. Espero que esteja se permitindo ser exposta e falar sobre seus sentimentos igual começamos agora, depois dessa perca catastrófica que você teve. Espero que você esteja tendo o máximo de cuidado possível e que não tenha perdido mais ninguém que você considere importante. E espero que ela tenha te perdoado (se ela tiver feito, o que eu mais espero é que não haja uma terceira vez).

A consciência de que você afasta já está aí. De que é uma boa pessoa também. Só não deixe sua bondade se esconder porque o toque de alguém te arrepia demais e parece esquisito.

Acostume-se com o toque.

Com carinho,
você sabe quem.

quinta-feira, dezembro 21

a quinta tormenta.


Não tenho costume com intimidade.

O toque na alma me impressiona mas assusta;
me dá ânsia e repulsa.

As longas datas me parecem vazias;
só mais um tipo de categoria
onde tentam nos encaixar
pra concretizar alguma alegoria.

O desassossego por intimidade
por conhecimento, o profundo, o obscuro,
me cerca de ansiedade.

A garganta fecha,
a vontade de machucar vem à tona.
"Como ousa ficar aqui, chegar assim e se alojar em mim?"

Minha alma e meu corpo veem como afronta o fato de serem conhecidos;
amados,
tocados,
queridos,
ansiados,
desejados.

Não toca. Não vem.

Mas toca. Fica sim.

Porque o toque na alma
o mesmo que me impressiona e me assusta, o qual anseio e me repulsa,
é necessário.

E a maldade,
que dói em você e me desgasta pelo mau jeito do meu toque,
é a forma mais estúpida que tenho de algum tipo de cuidado externar.

Não tem é justo pedir perdão por despreparo e mau jeito, mas desculpa.
Eu tento só não tenho, como diriam,
um jeito meu de me mostrar.

O cuidado contigo era por não me achar merecedora de te ter por perto,
por medo de nosso futuro incerto,
que me faz optar - "optar" - por te perder
e ficar sozinha em mundo aberto.

terça-feira, dezembro 19

a quarta tormenta.


Se você fosse uma folha em branco, seria aquelas amareladas pelo tempo, amassadas por excesso de manuseio e com marcas de borracha e lápis devido ao que já escreveram em ti. E, quando falo isso, não digo com a intenção de te ferir ou causar estranhamento. Você só aparenta ser assim: marcada.

E é até compreensível que o fosse. Todos somos. Mas, veja só, é importante saber de algo:

Na casa que é seu coração, sempre pronto pra receber visitas, a bagunça entre um estranho e outro é constante. Você não se dá tempo para arejar a casa, lavar o que está sujo, limpar os móveis, trocá-los de lugar, ter plantas, organizar os livros por ordem de leitura ou alfabética, coar um café ou comprar uma bebida fria. A pessoa que está te visitando no momento tem sempre o trabalho de te levar comida e ajudar a fazer com que a sala, apenas ela, fique confortável durante a sua tarde de estadia.

Ai, quando ela se vai, você se pergunta o porquê.

[por que não ficam? Por que não insistem? Por que não visitam os quartos ou pedem para usar o banheiro? Conhecer a varanda, sei lá. Pedir algo pra comer. Passar a noite, uns dias. Cozinhar algo pro almoço e acabar comendo fora - por consenso, não por desgaste da bagunça].

E é fácil te responder; acho que você mesma já sabe a resposta. Não há muitas bagunças que te façam ficar e você nem sempre tem paciência pra ir ajudar alguém a colocar a casa em ordem. Entende?

Você vem cheia de marcas e bagunças e espera que todos os outros te ajudem com ela. Mas poucos são capazes de entender qual o melhor produto de limpeza pra você ou onde os móveis te trazem conforto ao ponto de você não tropeçar neles caso acorde de madrugada e não acenda as luzes para tomar água. Nem você - mesmo nos seus melhores dias e com a melhor intenção em ajudar - consegue saber isso sobre todos os demais.

Porque a sua bagunça - se for a bagunça que você quer - precisa ser aconchegante (pra você, primeiramente).

Provavelmente você vai perceber que há sua própria ordem no meio do caminho e que é preciso se dar tempo para arrumar a casa entre uma visita e outra. Quando notar isso, verá que são as visitas que bagunçam sua casa, não você. Usam seus copos favoritos, mudam a ordem das almofadas, comem o bolo que você guardou pra lanchar no domingo à tarde e depois se vão.

Na hora de arrumar a casa pra próxima - depois que você já entendeu que isso é necessário - talvez você note que a ordem das almofadas te agrada mais da forma como a última visita deixou e nem mexa nela. Outro visitante pode trocar a cor das suas cortinas e você gostar. Um posterior pode acrescentar um mensageiro do vento à sua varanda. Ou aquele que ficou por uns dias pode te fazer gostar de tomar tudo em xícaras, de água à cerveja. E o último - quase certo que será o que sabe sobre seus produtos de limpeza e preferência sobre móveis - vai gostar das mudanças que os outros fizeram e entender elas como parte de você agora.

quinta-feira, dezembro 7

a terceira tormenta.


Mas quando me permitir te conhecer a sensação foi, no mínimo, esquisita.

Era como se meus olhos estivessem por trás da minha pele e eu te visse de uma dimensão na qual só eu tivesse acesso. Você parecia diferente, quase como uma entidade, um anjo ou algo que não pertencesse. Não pertencesse, sabe? A ninguém, a lugar algum. Fosse por si só; por sua existência, preferências e gostos.

Quando te toquei, foi como se eu fosse a sensação - literalmente, ser a sensação - do toque entre duas partes do meu corpo ao mesmo tempo em que nenhuma delas era minha. O não pertencer soava no meu ouvido como se fosse toda a resposta que eu precisava.

Não pertencia. A ninguém. A lugar algum. Nem mesmo ao próprio corpo.

Quando te ouvi foi quase uma experiência tecnológica: um som robótico que chegasse próximo dos meus tímpanos e sussurrasse:

Não pertenço.

Íntimo, ao mesmo tempo que incomum. Diferente, mas com a sensação de familiaridade mais próxima de sua essência que poderei vivenciar.

Quando tentei entender seus pensamentos foi como dar a chave do carro mais potente à uma criança e dizer: ligue. Vá, corra. Eu tentava correr, mas como poderia se até ligar o carro parecia demais pra mim? E então você me ajudava e ensaiava metáforas sobre embreagem, acelerador, câmbio, freio, retrovisores. A criança em mim, embevecida, bebia suas palavras com uma sede que não parecia ter fim. Quando você achou que eu sabia o suficiente, já não era mais criança. Havia crescido, alcançava os pedais e tinha desenvoltura para controlar - temporariamente (o seu não pertencer sempre ficou claro) - o carro que você me dera. Foi quando me contou dos seus segredos, feitos, causos e paramos no meio da estrada pra tomar café, enquanto outros carros - que você oferecera a outras pessoas - passavam enlouquecidamente querendo sua atenção.

Eu não entendia, pra falar a verdade. Todo o conjunto era bagunçado até mesmo pra mim, que era o seu foco e a pessoa para a qual você queria se fazer entender.

Quando juntava tudo: seus olhos, seu toque, sua voz, seus pensamentos verbalizados, era quase um culto. Sagrado demais, sincero demais para que eu não quisesse estar ali, mesmo que a sensação fosse... Você sabe. Você sentia também.

Porque você queria se fazer entender pra mim por ser eu. E eu queria te entender pra ter controle sobre os outros carros.

sexta-feira, dezembro 1

a segunda tormenta.


Não sei se me dou bem com relações que são iguais uma hora da tarde: não sei se desejo bom dia ou boa tarde - e cada um tem um critério pra responder ao que digo, independente do que seja.

Não sei lidar com aquela quase intimidade que não me permite mandar áudios longos ou importunar às duas da manhã com alguma divagação aleatória causada por causa de algo que vi. Aquele quase conforto que me faz querer contato mas me sentir incomodada com isso. Aquele tipo de quase amizade que me faz te cumprimentar na mesa do bar mas não me sentir bem com sentar lá com você.

Me incomoda pois nunca sei se estou forçando demais ou oferecendo de menos. Não sei se a hora de desejar boa tarde é depois de almoçar ou assim que o relógio avisar que é uma e pouco. Não sei se ficar perto é o próximo passo ou se o limbo do quase é onde devo colocar esse tipo de relação. Não sei nem mesmo se está tudo bem encontrar com um dos seus amigos e falar "ei, como vai a fulana?" sem que soe extremamente maldoso da minha parte.

O pior é que a maioria das relações estão cronometradas à uma da tarde: qualquer passo à frente pode ser danoso e qualquer receio pode te empacar ali.

E pra uma pessoa que é ávida por intimidade, por laços, por conforto, é desgastante que os relógios parem aqui e não se esforcem pra chegar no chá das cinco.

terça-feira, novembro 21

a primeira tormenta.


some note for before you go.

A mesa está bagunçada com sua vontade ávida de achar as chaves e sair daqui logo. Seus sapatos, antes jogados aos pés do sofá, já habitam outros pares. Há calmaria nas suas atitudes por mais rápidas e desesperadas que elas possam parecer.

Você vai embora. De novo. E eu não vou te pedir pra ficar.

O meu crime, pra você, sempre foi não te pedir pra ficar. É minha filosofia, mas você é incansável quanto a me julgar por ela. Manter livre? Deixar andar sozinho? Achar que a pessoa "sente" - as aspas formadas com seus dedos, aquele tom de desdém pra falar sobre sentir - o que você não fala? Não, não mesmo. Você falava que eu tinha que te manter perto, mas manter perto à sua maneira: delirar de ciúmes, te cercar, te deixar com marcas de posse e ser marcada com traços seus.

Mas eu fui. Eu fui, por mais que você diga que não, marcada por traços seus, detalhes seus: os filmes analisados devido a seus diretores; os cigarros que não podem ser mentolados; as blusas listradas que precisam de combinações lisas; os cabelos soltos; risadas de terceiros minuciosamente observadas; três da manhã; comida chinesa; cervejas pegas pelo menor preço; conforto em te tocar em público; conforto em dançar, com você, em público (e a intimidade de fazê-lo em privado); preferência por jogos de carta; um amor embevecido por livros longos; carência por neologismos; o meu perfume (meu perfume, olha onde você se mete) que me lembra você de tanto ouvir que era o seu cheiro favorito.

Não posso te pedir pra ficar. Como poderia? O seu amor - idealizado, louco, cheio de fantasias cinematográficas com serenatas na praça da cidade à meia noite em ponto - não acompanha o meu (o que me parece ótimo, mas te soa como insuficiente). A sua vontade de estabilidade não combina com minha carência de mudança; a minha afeição por detalhes e minuciosidades não acompanha a sua preferência por arroubos em público; a sua necessidade de presença não acompanha a minha carência por espaço. E tá tudo bem; pra mim, sempre esteve tudo bem. Mas o que vai te fazer ir embora é a sua inconformidade sobre conseguir me mudar. Não as mudanças que te falei, não as mudanças que você notou, mas as que queria.

Você olha pra mim, a mão na maçaneta da porta.

Não vou pedir. É a minha filosofia, mesmo que você seja minha e não volte.

A porta abre.

Toda minha esperança sai antes dela se fechar de novo.
© terna tormenta
Maira Gall