sábado, janeiro 20

a oitava tormenta.

O engraçado é que jamais me pensei como alguém que não superava. Que meses depois ainda pensa em alguém porque vê algo que lembra ela, algo que ela com certeza gostaria ou que comentaram juntas na época em que conversavam. E eu te falava isso do mesmo jeito que você me falava. A gente não era do tipo que não superava - esse foi o início de muitas conversas e reflexões nossas; um dos inúmeros quesitos nos quais a gente batia e conseguia se entender.

Mas me tornei essa pessoa. A que não supera. A que não consegue deixar ir porque todo dia - todo bendito dia - vê algo que lembra você, ouve algo que você gostaria de ouvir, lê algo que a gente compartilharia e seria aquele negócio engraçadinho de "ah, eu vi, já ia te mostrar". Só que não tem mais graça. O que tem é um buraco, enorme, que nada preenche. Que ninguém preenche.

Acho que não fazia ideia do espaço que você ocupava até você ir embora. Não fazia ideia da importância que você tinha até eu não ser mais importante pra você. Não tinha noção do quanto ser a pessoa que não supera é pesado, difícil, desgastante até que me tornei a pessoa que fala de você pra quem quiser ouvir. Não é que não te valorizasse ou coisa do tipo. Lá no fundo, se eu fosse ter que achar um porquê, acho que queria não ter uma exceção. Não queria que você fosse a minha exceção pra regra "sou uma pessoa que supera", mas você é. E o problema não foi só eu ter ido embora, foi ter preparado o território pra não voltar; ter te magoado pra eu não ter chance de ter uma exceção à regra. Foi ter me sabotado e te desolado na mesma tacada.

Todo mundo sabe que a culpa foi minha. Todo mundo sabe quem é você, o que eu fiz e o quanto isso acaba comigo. Todo mundo, pode perguntar por aí. Eu me tornei a pessoa que não supera e tá tão estampado na minha cara que, do nada, me perguntam "e a fulana?" ou me questionam se você é o motivo de eu estar mal. Eu, logo eu, virei essa pessoa. Se me falassem isso há um ano atrás eu riria, acharia o cenário impossível. E cá estamos.

Esse foi o seu gesto mais altruísta: me fazer mudar. Não me achava imutável ou qualquer coisa do tipo antes de você - "antes de você", tem esse outro detalhe na minha vida agora -, mas você modificou coisas que eu achava intrínsecas a mim; coisas que eu só consegui mudar porque você me fez ver que eram necessárias (e fez isso, ironicamente, quando não estava mais aqui e sem dizer uma palavra). Comecei a me policiar tanto com algumas atitudes que parece que te tenho como uma memória, rebobinada constantemente na minha cabeça, do que não fazer, de como não agir e de como não tratar alguém.

Mas tudo bem. Há mudanças que as pessoas não são obrigadas a aceitar e riscos que não são obrigadas a correr; eu sou um deles. No meio de toda essa bagunça, o que eu espero é que você ache um colo e alguém que te dê conforto. Eu sei que te tirei um colo, da mesma forma que perdi. Que te tirei um conforto, da mesma forma que me parece impossível achar alguém em todo esse mundo com o qual eu fique totalmente relaxada. Mas você é alguém que merece se sentir abraçada e segura continuamente, principalmente quando tiver aqueles pensamentos bobos e sem fundamentos que passam por essa cabecinha ou quando achar que é a pior pessoa do mundo - tá longe de ser, tem um limbo enorme entre você e as piores pessoas.

[...]

Não. Pensando bem, estou um pouco longe desse estágio ainda. No fundo, tudo é uma tentativa desesperada de ainda ser um colo pra você.

(eu disse que me tornei a que não supera?).

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